segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Lembrança em flash

Una tarde en la finca
Ficou tudo branco e depois morreu - Foto KikaBr - Flickr

Dizia a reportagem do jornal Folha de S. Paulo, em 11 de julho de 1994:
A cidade de São Paulo registrou ontem a menor temperatura desde agosto de 1955, os termômetros marcaram 0.8ºC entre as 5h e as 8h. A menor temperatura registrada no Brasil foi de -5ºC, em São Joaquim, Santa Catarina.
Acabava de ser implantado o Plano Real. A estiagem era grande e havia começado lá no meio do outono. Era um final de semana, na passagem de sábado para domingo, e geou forte, muito forte. Em poucas horas todas as árvores que tínhamos plantado desde 1991 morreram - três anos de trabalho árduo tinham sido perdidos, não havia o que fazer.

Um pouco mais sobre Primavera


Falso-barbatimão em flor - Man of Nenderthal - Flickr

Andando pela estrada até Areia Preta confesso que percebi que tenho que rever algumas coisas escritas nos textos sobre Primavera. Há poucas árvores florindo nesta época, percebe-se isso nos restos de matas que se pode ver ao longo da estrada que leva ao oeste do Estado. As que se destacam são as citadas anteriormente, ou seja: flamboaiã, jasmim-manga, resedá-gigante e magnólia. Há uma outra que não apontamos e que é exuberante, mas que nunca vi um exemplar aqui na Capital: o falso-barbatimão. Ele está começando a florir agora e é digno de ser apreciado.

Talvez o que esteja faltando mesmo em São Paulo não sejam árvores, mas um maior cuidado com os jardins e praças públicas, colocando neles mais plantas, como aquelas que estão com flores neste final de novembro: primavera, espirradeira, gardênia, resedá, alamanda e outras. São arbustos, trepadeiras ou pequenas árvores que florescem, exalam bons perfumes e embelezam o ambiente.

Nem há tanta falta de áreas verdes na cidade, pelo menos no percurso que faço todos os dias - que tem uns 9 km de extensão - e no qual há cerca de 10 áreas verdes, dos mais variados tamanhos, e que poderiam ser mais bem tratadas, a saber: Praça Tupã; Praça Cornélia; Praça Conde Francisco Matarazzo; Praça do Shopping WP; Parque da Água Branca; Praça Antônio Camargo; Praça Marechal Deodoro; Praça Júlio de Mesquita; Largo do Arouche e Praça da República.

Tome-se por exemplo a Praça Cornélia. Uma confusão de plantas sem qualquer plano. Aquilo só é chamado de praça por ter alguns bancos e ser pública. Nos dois lados dela, perpendicularmente à Rua Clélia, há carreiras de ficus. Mais uma vez tenho que falar mal desta exótica que não permite que nada exista sob sua copa. No meio há alguns paus-ferro e uma confusão de outras plantas, mal-tratadas, emboladas, soltas. A praça está mais mal caracterizada ainda por conta do que tem em seu centro: o que será? Seria uma fonte luminosa que foi aterrada...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Primavera em São Paulo - 2

Flowers for a hard day
Jasmim Manga - Kikabr - Flickr

K. me advertiu: como não tem flores neste mês da primavera? Vi hoje mesmo um jasmim-manga e um ligustro floridos logo aqui perto. Advertido, no outro dia fiz o mesmo trajeto e procurei observar com mais atenção se há nele essas espécies de plantas. Confesso que foi falha minha e a seguir tento arrumar a informação colocada no texto anterior Primavera em São Paulo.

No pedaço que faço à pé, até o ponto de ônibus, encontrei cinco pés de jasmim-manga. Alguns da cor branca e outros salmão. São realmente árvores bonitas e que produzem flores muito perfumadas. Ocorre que há poucas plantadas na rua, das cinco que vi no pequeno trajeto que faço, quatro estão em jardins ou quintais particulares e apenas uma em calçada.

Na parte que percorro de ônibus, indo em direção ao centro da cidade via Francisco Matarazzo, vejo alguns exemplares, o primeiro deles no jardim de um conjunto de prédios instalados no terreno onde era a antiga fábrica dos Matarazzo. Em seguida pode-se ver um jasmim salmão na praça em frente ao Shopping WP. Mais adiante, duas árvores - uma com flores salmão e outra branca, lado a lado - estão numa escola um pouco depois do Parque da Água Branca.

O que se nota, então, é que é uma árvore plantada mais em jardins que nas calçadas e, portanto, não fazem parte do repertório de plantas da arborização pública de São Paulo. Não vê-las foi uma falha minha, não há nenhuma dúvida que elas estão enfeitando a primavera da cidade neste novembro. Elas são dignas de serem observadas e reverenciadas, pois são verdadeiras esculturas urbanas, pelo formado do tronco, beleza das flores e perfume.

O jasmim-manga é uma árvore de tronco curto e galhos baixos e espalhados. Para que ela fique bem numa calçada é preciso conduzi-la de maneira que seus galhos não dificultem a passagem de pedestres e o estacionamento de carros no meio fio.Poderia haver mais, muito mais delas por ai, em especial em jardins públicos.

Quanto ao ligustro, realmente não havia observado. Confesso que tenho problemas com esta espécie. Tenho até receio de ser processado pela Lei Burle Marx, equivalente para as plantas da Lei Afonso Arinos. Mas quando vejo uma rua toda ou um jardim onde a maioria das árvores é desta espécie, acho que fica triste, escura. Ela dá uma flor branca, meio esverdeada, que não contrasta muito com as folhas e isso é o que talvez tenha feito com que eu não percebesse que estavam em floração nesta época.

Os ligustro, como muitas outras árvores da cidade, são muito podados, pois crescem muito e entram pelos fios da rede elétrica. Quando são feitas essas podas radicais eles passam a soltar brotos por todo o tronco, perdendo sua forma original e virando um misto de arbusto e árvore. Os brotos ladrões acabam crescendo sem qualquer controle, pois as empresas de energia não têm qualquer preocupação com as árvores, só com os fios. Se voltassem e recompusessem a forma delas, podando e escolhendo os galhos que devem crescer... mas não, podam e largam as plantas ao deus dará e assim elas ficam, ali, deformadas, abandonadas, como se estivessem descabeladas e maltrapilhas.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Primavera em São Paulo - 1



Primavera lembra flores. Ou não? É estranho andar por São Paulo em plena primavera e não ver flores. Vou passando pelas ruas e da janela do ônibus confiro as árvores do caminho. Algumas tipuanas da Rua Clélia já deram suas flores amarelas e agora estão com as vagens recém nascidas. Logo elas jogarão suas sementes no asfalto ou no concreto das calçadas. Vã parida.

Mais adiante beiro o Parque da Água Branca e nada de flores, pelo menos olhando da beirada que margeia a Francisco Matarazzo e, mais triste, uma das mais belas árvores que por ali há é a magnólia-branca e elas, por algum motivo, foram secando e morreram aos olhos dos passantes. Não apenas a que está atualmente morta e exposta, com suas folhas secas ainda penduradas nos galhos, tristemente suspensos sobre a calçada da Francisco Matarazzo, mas também outros exemplares que havia dentro do Parque. Árvores de crescimento muito lento, as magnólias deviam ter entre 20 a 30 anos, no mínimo. Será que foram vítimas de alguma doença que só ataca essa espécie? O que sei é que se estivessem vivas elas estariam enfeitando com perfume e flores esta primavera.

Entramos por baixo do Minhocão e aquele lugar é uma lástima no que se refere a plantas. Uma ou outra árvore vive ali, apertada entre o elevado e os prédios. Ao passar sobre a Avenida Pacaembu dá para ver de relance dois resedás botando suas belezas rosas para fora. Nada mais que isso.

Em seguida está a Praça Marechal Deodoro, que foi recém reformada, mas só tem ficus benjamina, árvores cujas flores são, de tão pequenas, quase invisíveis. O ficus é bonito, fica o ano todo verde, brilha, mas um jardim só com essa espécie fica um pouco lúgubre, principalmente porque ele cresce muito. No caso desta praça, para complicar, eles foram podados radicalmente, o que tirou sua forma natural. Portanto, independente da reforma, essa praça continua triste.

A São João é inexpressiva quando se pensa em árvores, não há nada ali que atice os sentidos. Vemos algumas sibipirunas, uma delas expondo suas flores amarelas. À esquerda, passamos pela Praça Júlio Mesquita, com árvores muito altas para pouco terreno. Ali também nem vestígio de flor.

Finalmente chega a Praça da República e procuro alguma árvore com floração. Vejo apenas uma, distante, lá no meio, flores rosas. Seria um resedá-gigante (Lagerstroemia speciosa)? O ônibus passa rápido e fico na dúvida.

Parece que todos os ipês amarelos, roxos, rosas e brancos, as tipuanas, as bauhínias, os jacarandás-mimosos e as quaresmeiras já deram suas flores, antes ou no comecinho da primavera e agora estão produzindo suas sementes, inútil gestação nesta cidade sem chão de terra.

Será que a arborização de São Paulo não foi feita para florir na primavera? É por conta da escolha das árvores que isso acontece? Ou será que aqui as estações são assim mesmo, mal definidas e devemos desligar primavera de flores?

A fertilidade das terras de São Paulo é excelente. Aqui, realmente, tudo o que se planta dá. Se houver vontade política e coletiva podemos ter uma primavera muito mais florida do que temos hoje por aqui.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Queremos um lago

Como já contei em post anterior, olhando-se o terreno da estradinha de acesso, há à direita uma área molhada. Na planta original do loteamento até aparece a indicação de que ali existiria um córrego. Na verdade é uma zona molhada, com uns 200 metros de comprimento e cerca de 30 de largura. Como é um declive, podíamos fazer uma barreiras de terra e represar a água que descia, fosse ela da molhadura do terreno ou da chuva.

E assim fizemos: contratamos um senhor muito simpático que veio com seu velho trator e chafurdou naquele brejo durante algumas horas até que nos entregou a obra.
Um açude para colocarmos peixes, patos e retirarmos água para molhar as plantas na época da seca. Um açude onde os pássaros, que estavam desaparecidos então, pudessem chegar para beber e comer.

Luz, quero luz

Dizem que estas foram as últimas palavras de J.W.Goethe. Pediu que abrissem as cortinas para que ele visse a luz. Aqui uso a frase para contar nosso périplo para conseguir luz artificial, energia elétrica.

Como pode se ver na foto acima, já tínhamos boas conquistas na Areia Preta: ao lado direito pode se ver a pequena torre com a caixa d´água, ao centro, a casinha e à esquerda dela, um poste ainda sem fios naquele momento.

Para se chegar a esse poste, mesmo que ainda sem fio, foi um sufoco. Começamos a reunir os vizinhos. Alguns mais mobilizados e interessados, outros nem tanto. Contratamos uma empresa que faria um projeto e o levaria à companhia de energia elétrica para que esta o aprovasse.

Toda a iniciativa era privada - naquele momento a companhia elétrica era estatal - ficando por nossa conta contratar a empresa, pagar pelo projeto, comprar postes, fios, transformadores e pagar pela instalação de tudo isso. À empresa de energia caberia apenas colocar o medidor de consumo e começar a cobrar as tarifas.

Aprovado o projeto apresentado, a contratada começou a colocar os postes. Por economia o trajeto da fiação acabou passando por cima de alguns sítios, inclusive o Areia Preta, o que iria trazer transtornos no futuro. Mas naquele momento, pelo alto preço da empreitada, não poderia ser diferente. Para que a fiação percorresse a beirada da estrada necessitaria muitas curvas e isso implicaria em mais e mais postes. Quanto mais caro, menos sitiantes se dispunham a entrar no consórcio.

Muitas pessoas não quiseram participar desse esforço coletivo e, por conta disso, outras foram prejudicadas, apesar de estarem engajadas no processo. Essa foi nossa primeira experiência de ação coletiva na área. Não foi fácil e mostrava que o conceito de que a união faz a força não era muito conhecido de boa parte das pessoas que estavam se instalando por ali.

Por outro lado, aqueles que participaram com força e dedicação se transformariam em amigos verdadeiros, parceiros na construção daquele desejo que movia todos que estavam por ali: ter um lugar gostoso, bonito, confortável, seguro e tantas outras qualidades que buscávamos com aquele empreendimento.

Um dia abandonamos os lampiões - que saudades deles - e acendemos a luz, ligamos o chuveiro, tocamos música e fizemos muitas outras coisas que só a energia elétrica pode proporcionar. Mais um ganho civilizatório, para o bem e para o mal.

As noites nunca mais foram escuras, as estrelas ficaram um pouco prejudicadas, os pássaros, sapos, rãs e cigarras passaram a competir com a música sertaneja que animava os churrascos na vizinhança.

Nós, ali no Areia Preta, tentávamos não ser tão invasivos... Tentávamos, mas não sei se conseguíamos tanto assim.

E fez-se a água

Estava pronta a casinha e o poço cavado não havia dado a água que esperávamos. A pessoa que cavou o buraco - que, se me lembro, se chamava Pedro - sugeriu, um dia, um outro lugar para fazer um outro poço. Ficava longe da casa, no meio da pequena mata original que havia sobrado no terreno. Ficamos na dúvida, mas topamos a oferta e ele fez o novo poço. Cinco metros e pronto, surgiu lá embaixo uma boa água. Ufa, que maravilha. Agora era estudar como levar a água até a casa.

O novo poço ficava a uns 200 metros da casa. Não tínhamos energia elétrica. Compramos uma bomba manual, instalamos e enterramos um rolo de mangueira preta do poço até uma caixa d'água. Era preciso um bom braço para bombear a água, mas isso era o de menos.

Levantamos uma caixa d'água com 4 metros de altura ao lado do poço fracassado, bombeávamos manualmente a água, do poço até ela, e dali o precioso líquido escorria com boa força até as torneiras e ao chuveiro. É quase impossível transmitir hoje a sensação que tivemos ao abrir a torneira e ver aquela água clarinha, saudável e farta chegando dentro daquela pequena casa. Abrir o chuveiro e se banhar nela, então, nem se fala. Em cerca de seis meses de luta tínhamos garantido acesso a uma das maiores conquistas da civilização: água encanada.

Ah, o banho ainda era frio e a conquista da energia elétrica é outra história que precisa ser contada, mas ia demorar alguns anos ainda para acender um interruptor e incandescer uma lâmpada naquela casa.

A busca d'água - E nascia a casinha

O terreno estava cercado, delimitado, limpo e começávamos a plantar nossas primeiras árvores. Agora o sonho avançava e demos início à construção de uma pequena casa. Coisa pequena mesmo. Um único cômodo que serviria tanto para dormir como para cozinhar, comer e abrigar da chuva e do sol. Claro, ele também tinha um banheiro, sonho de consumo justíssimo da mulherada. E colocá-lo para funcionar eram outros quinhentos, pois dependia de uma coisa fundamental: água.

Uma construção de 5m x 5m. Vinte e cinco metros quadrados. Nada mais que isso. Feita por um pedreiro que nunca havia feito nada mais que ser ajudante de um outro que provavelmente também sabia pouco. O famoso meia-cuié.

Mas ainda que a obra fosse bastante singela, fizemos um esforço e a construímos com tijolinho de barro - não com tijolo baiano. Isso daria a ela mais frescor, mais firmeza, mais cara de casa. Não sei exatamente onde se encaixava aquela visão de construção, mas achávamos (e ainda hoje achamos) que o tijolinho dava mais firmeza às paredes, nelas podíamos prender coisas com mais segurança etc., etc..

Íamos semana após semana esperando aquela construção virar uma casa arrumadinha, limpinha, que desse conforto, em especial às mulheres, que a desejaram tanto que é impossível rememorar o gosto desta conquista. Mas um dia lá estava, com piso, janela, banheiro e seu chuveiro, pia, torneira, mesa, fogão. Não havia luz no local, a energia ainda estava longe de ser ligada por ali. Isso aconteceria alguns anos depois.

Paralelamente à construção da casa, tínhamos um problema a ser resolvido: água! Era preciso furar um poço e dele tirar a água necessária aos banhos, à feitura da comida, à limpeza. Como conseguir a água?

Nós, novatos, não tivemos dúvida. Escolhemos um lugar próximo de onde estava sendo construída a casa e pronto.
Chamamos um homem e cantamos aquela música do Zé Keti: Se não tem água, eu furo um poço.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

E a cerca desenhou o terreno

Se não fomos os primeiros a comprar um terreno naquela parte da fazenda - chamo de parte baixa - pelo menos fomos os primeiros a colocar uma cerca ao redor dele, delimitando-o em relação aos demais lotes. Só quando efetivamente vimos a cerca colocada é que nos apresentamos ao nosso sítio. Aí sim pudemos falar: muito prazer, somos seus novos donos.

Ali estava o nosso retângulo de terra quase perfeito, de 100 m de frente por 300 m de fundo. Havia pouquíssimas árvores na maior parte dele, só grama - braquiária e São Carlos - e mato, como vassourinha, rabo-de-burro, lixeira e outras mais. Olhando-se de frente para o terreno e de costas para a estradinha que lhe dava acesso, via-se à direita, na divisa com o terreno vizinho, uma tira sofrida de mata que cobria uma pequena grota, de onde escorria uma água sem leito definido, que acabava em um brejo coberto de taboa e biri.

Cercado o terreno, contratamos um trator para roçar todo ele. Estávamos agora começando a construir nosso sonho. No meio do sonho iniciamos a construção de uma casinha, como se pode ver na foto acima.

O lugar e seu nome



A história do sítio Areia Preta começa em 1991, quando compramos o terreno.
Não havia nada lá, a não ser uma boa paisagem, um lugar escondido, um pasto e algo que poderíamos chamar de mato, ou seja, áreas utilizadas e reutilizadas para lavouras (milho, mandioca, amendoim) e abandonadas. Havia muitas indicações que a terra era tratada com fogo. Isso era costumeiramente feito no inverno, quando tudo fica mais seco, sobrando apenas o que o gado não come. Assim, colocavam fogo em especial para matar o "rabo-de-burro", deixando que a braquiária rebrotasse das cinzas, vigorosa e imperial.

Até hoje não sabemos direito como K escolheu com tanta ênfase aquele lugar. No dia da definição da compra chovia muito, atolamos o carro, mal pudemos ver o terreno, pois tínhamos que andar de guarda-chuva. Essa é uma história à parte que precisa ser rememorada e, portanto, merece um item próprio.

Como todos os casos de loteamentos rurais, aquele pedaço de terreno pertencia a uma fazenda que chegava ao seu ápice em termos de desgaste da terra e que passava a ser recortada em pequenos lotes, dentro das normas mínimas estabelecidas pelo INCRA - ali era que não poderiam ter menos que 3 ha. Seu destino era transformar-se em áreas de lazer para paulistas que queriam buscar um pouco de paz no interior.

Aquelas terras ficam nas beiradas da Serra de Botucatu, são constituídas de muita areia e formações rochosas que são chamadas de testemunhos de eras geológicas (a Torre de Pedra, da foto acima, é um exemplar destes). Segundo consta, aquele lugar era um pequeno mar, daí a quantidade de areia que há.

Em busca do nome do lugar

Ao fecharmos o negócio, uma das primeiras coisas que passamos a pensar foi em dar um nome àquele lugar. Para isso, era preciso que o nome dissesse alguma coisa sobre aquela terra. Não queríamos algo que nomeasse um mero desejo de urbanóides, como: Cantinho do Paraíso; Vista Alegre; Recanto do Descanso… Queríamos algo que falasse daquele lugar. Mas ali não tinha nada que pudesse ajudar na escolha do nome: 3 palmeiras, riacho doce; brejo seco... O que fazer para nomear o sitiozinho?

Buscando informações sobre o lugar, uma delas nos chamou a atenção. Diziam que havia ali dois tipos de terreno, um, a parte mais alta do loteamento, constituída de uma areia branca, fofa, profunda, parecendo areia de praia. A essa eles chamavam por ali de areia podre. E a outra, nas partes mais baixas do vale, onde estava nosso terreno, nomeada pelo povo de lá de areia preta. E ai vimos a deixa para nomear nossa pequena chácara: Areia Preta.

Era o que tinha ali, uma camada de areia preta de cerca de 20 a 30 cm e abaixo disso a famosa e dura piçarra, uma espécie de argila muito dura que dificulta a formação de raízes de muitas árvores. Além disso, essa combinação de areia por cima e argila por baixo cria uma situação crítica na época das chuvas, pois o terreno, independente do declive, fica extremamente encharcado, impedindo uma boa oxigenação das plantas (se chove muito elas começam a amarelar e perder as folhas, flores e/ou frutos).

O preço inicial do sonho

O terreno onde hoje está a Areia Preta custou a bagatela de Cr$3.890.613,72 (3 milhões, oitocentos e noventa mil, seiscentos e treze cruzeiros e setenta e dois centavos).
Demos metade de entrada e o restante pagamos em 10 suaves (!!) prestações .

Para saber o que significam esses números, fiz as contas em dólar, mês a mês, do que pagamos lá em 1991 e concluí que ao todo, o lote que adquirimos custou US$ 10.752,00 - ou seja, três dólares o metro² de terra. Acha caro?

Esses milhões de cruzeiros aí enganam. Um amigo suíço que nos visitou um dia disse não acreditar. Como pode tanta terra, com água, custar tão pouco?
Um pedaço desse tamanho lá no país dele, quando existe, custaria 100 vezes mais, no mínimo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O Chapéu de Vacas

Entramos por um estrada de terra que parecia antiga e que pelo jeito levava até uma fazenda local. Apesar das poças, íamos bem. Onde há poça, disse o corretor, é sinal que a terra é firme e por isso a água não se infiltra. Será? Ficamos na dúvida, em especial quanto à fundura das ditas cujas. E por conta desse pensamento, ele enfiava o carro na estrada sem qualquer receio ou cuidado.

Saímos dali e pegamos uma estradinha que acabara de ser feita e que nos pareceu já pertencer ao loteamento. Era uma areia só, aliás um areião encharcado. Seguimos por ali e um quilômetro à frente nos deparamos com um trator construindo o caminho. Começamos a achar que éramos os primeiros visitantes daquele loteamento. Pelo jeito estávamos chegando junto com a patrol que abria os acessos aos lotes. E era isso mesmo. Nenhum terreno havia sido vendido por ali. O trator nos ajudou a chegar até uma casa que estava sendo construída. Paramos ali e descemos para ver.

Era a oferta do corretor para nós. Um terreno já com uma casa construída. Visitamos a obra, andamos pelo terreno. Nesse momento a chuva havia dado uma trégua. Era uma casa simples, dois quartos, cozinha, um banheiro. Ainda não estava pintada e não havia água nas torneiras. Ao fundo estava sendo cavado um poço. Como a terra era de areia fofa e profunda, usavam anéis de concreto para cavar a cisterna. Dará água lolo logo, afirmou o corretor.

O terreno era interessante. Tinha uma boa vista para leste e ao fundo se via uma grande e imensa paisagem. Seria bonito acordar pela manhã e ver o sol nascer naquele farto horizonte visto ali de cima. Ainda assim ninguém se encantou muito com ele. Havia uma grande descida até o fundo do terreno onde, conforme o vendedor, tinha um pequeno riacho, além de boas nascentes de água. Não fomos até lá para conferir, o tempo não convidava para essa aventura. Na foto acima pode-se ver a localização deste lote, só que de baixo para cima.Estávamos onde alguns anos depois, quando foi tirada esta foto, se vê, acima, à direita, duas pontas de árvores.

De lá de cima o corretor apontou para baixo, ao leste, e disse: o loteamento vai até lá embaixo, são cerca de 200 lotes ao todo. Há esses aqui em cima e os outros estão lá embaixo, no vale. K. já disparou, sabe-se lá porque: quero conhecer lá embaixo, o que você pode nos oferecer lá?

O homem gaguejou um pouco, tentou mudar de assunto e tal, mas ela não deu qualquer chance de negação ao pobre vendedor: então vamos pra lá!

Ele concordou, mas com uma ressalva, talvez para ver se desistíamos daquela ideia. Teríamos que voltar à estrada, pegar o sentido São Paulo e andar uns 4 Km, entrar pela cidadezinha, andar por estrada de terra mais uns 4 km e, só daí, chegar à parte baixa da fazenda. Questionado sobre a causa disso, nos informou que ainda não haviam feito a estrada que ligaria aquela parte onde estávamos com a de baixo. Era mais um sinal de que o loteamento apenas começara a ser feito. Esse foi um perigo que não leváramos em conta e iríamos sofrer as consequências por conta das dificuldades para conseguir a documentação e os demais benefícios acoplados à condição legal de um loteamento rural. Mas esta é história para depois.

Concordamos com o caminho e voltamos à estrada, rodamos os quilômetros até a cidade e tentamos chegar na parte baixa do loteamento. Ufa. Pelo jeito a estrada era usada só por animais. Algumas partes do caminho se confundiam com o pasto, com marcas de passagem de cavalos e quase nenhum sinal de rodas de semoventes. A chuva voltou a atacar e naquele trajeto 4 km de terra, areia e mato, atolamos diversas vezes. Andávamos um pouco e logo lá estávamos nós empurrando o carro para avançar mais um pouco e outra vez empurrar.

Chegamos a uma velha porteira: era a entrada da fazenda Santa Leocádia. Com cerca de 100 alqueires, ela estava morrendo como tal e sendo recortada em n pedacinhos de 30 mil metros quadrados cada um. Pelo jeito havia cumprido sua vida útil como produtora rural. Agora aquela terra cansada e mal tratada serviria quase que exclusivamente para o lazer de alguns seres urbanos.

Da porteira para frente tínhamos que ir a pé, o carro ficaria ali. O arruamento ainda não tinha sido feito e o acesso aos terrenos era feito pela estradinha que levava à sede da fazenda. Pelo que tínhamos visto do caminho da vila até ali, carros eram coisas raras naquele lugar e, portanto, os caminhos não eram amigáveis a eles, apenas ao gado, aos cavalos e às carroças.

A porteira era antiga, o mesmo posso dizer dos arames farpados e mourões que fechavam a propriedade. Nada mostrava qualquer cuidado recente para dar ares de loteamento. Mas ela, a porteira, era dessas coisas inteligentes, você a abria e ela fechava sozinha, graças à sua inclinação. Isso impedia que ficasse aberta e animais entrassem ou saíssem por ali.

Começamos a caminhar para dentro da fazenda enquanto o corretor pegava a planta e tentava identificar algum terreno que pudesse nos mostrar. Não era tarefa fácil. Não conseguia nos dizer onde começavam ou terminavam. Aqui, do lado esquerdo, disse, começa o lote 19, apontando também o mapa. Fomos andando pela estradinha. um córrego serpenteava no meio do tal lote 19 e atravessava a estradinha, só que por cima dela, fazendo com que tivéssemos de enfiar os sapatos na água para poder prosseguir. Interessante, bonito mesmo aquele pequeno córrego com água farta. Claro que estava chovendo e não imaginávamos como seria aquilo na época da seca. Tentávamos adivinhar - e o vendedor também - onde eram as divisas do tal terreno. Difícil. Não se pode ter a noção de tamanho de um terreno de 30 mil m², olhando apenas, a não ser que você seja um agrimensor tarimbado.

Mas o vendedor via nossa inexperiência e aproveitava. Ele não tinha nenhum escrúpulo em confirmar o que achávamos e expressávamos. K. perguntou: aquela árvore lá em cima pertence ao terreno? Era uma árvore bem grande, no topo do morro que dava continuidade à parte plana do tal lote 19. Sob ela algumas vacas se protegiam da chuvinha insistente.
Pensei comigo: era um Chapéu de Vacas.

É por ali que se vai

O corretor tirou papéis e plantas de sua 007 preta.
Colocou tudo no balcão e disse: primeiro vamos ao local para ver se vocês gostam e depois vemos preços e condições, certo?! Certíssimo, confirmamos. Queríamos mesmo era conhecer o lugar; ver se gostávamos e se aquela distância toda que percorremos até ali valia a pena. Botou tudo de volta na maleta, fechou, desencostou do balcão, levantou a calça de linho branco que escapava da boa barriga e convidou-nos a ir ao loteamento.

Pediu que fôssemos em seu carro, pois com a chuva os acessos estavam com um pouco de barro e poderia sujar o carro de vocês. Fizemos isso. Subimos num frágil e baixo Escort e lá fomos nós.

Logo de cara tínhamos que atravessar o canteiro central da estrada e esse foi o primeiro de uma série de atolamentos que enfrentaríamos aventura a fora. Os outros corretores que estavam no bar viram e vieram ajudar a desatolar o veículo. Se postaram um de cada lado e empurraram. Receberam por todo o corpo o barro jogado pelo giro em falso das rodas dianteiras. O carro se bateu todo por baixo, zuniu, gemeu e chegou à outra pista da estrada. A sensação era que estávamos numa roubada, aquilo não podia dar certo. Todos ríamos nervosamente. Os corretores voltaram para o barzinho, limpando-se como podiam, enquanto nós chegávamos ao outro lado da rodovia e tomávamos o rumo dos terrenos por uma estrada de terra.

Terra? Havia muito mais poças d'água do que terra firme naquele caminho.

Tá chegando a hora

Vamos ver a oferta galinha morta


Era um dia de abril de 1991.
Devemos ter saído cedo. Se é que se pode chamar 9 da manhã de cedo, mas deve ter sido mais ou menos isso. A indicação era que os corretores estariam no quilômetro 172 da estrada. Longe isso, hein?! Pé na estrada. Andamos e andamos. Como sempre, a primeira vez que se vai a algum lugar é sempre muito longe, em especial quando tudo é novo. E chovia, como chovia!

Quando foi ali pelo km 100 vimos faixas com o nome da empresa que estava em nosso recorte de jornal. Ali eles também anunciavam terrenos à venda num loteamento à beira da estrada. Mas ainda faltavam 70 km, segundo o anúncio que trazíamos. Paramos, perguntamos e confirmaram: sigam em frente, vocês já estão próximos, nosso pessoal está por lá esperando vocês.

Chovia muito (eu já disse isto?) e naquele mês tinha sido uma constante. Era o começo de outono mais úmido dos últimos tempos. Aquilo lá era clima para se procurar um lugar para se ter uma casa de campo? Mas fomos seguindo assim mesmo, a curiosidade e a vontade eram maiores que a quantidade de água que caia do céu.

Chegamos ao quilômetro 172. Havia uma construção de tijolinho à vista na beira da estrada. Quer dizer, não era lá muito na beira da estrada, ficava a uns 200 metros da pista e o caminho até lá era um barro só. Uma grande faixa apontava para o barzinho, indicando: Corretores de Plantão aqui. E eles estavam mesmo lá, escondidos da chuva. Provavelmente naquele dia não tinham vendido um único terreno; talvez nem sequer tivessem atendido um interessado. Quem se arriscaria a se abalar de São Paulo até ali, 172 quilômetros de chuva, para ver aquilo?

O carro chegou, com algum esforço, até a beirada do lugar. Pulamos todos de dentro dele, enfiamos o pé na lama e corremos para o boteco, fugindo da chuva que despencava. Será que tinha algo para comer, ao menos isso? Sim, tinham pastéis, fritos na hora, em óleo quente e duvidoso. Quase todos pedimos de queijo pois era, críamos, mais seguro que o de palmito ou de carne. Comemos aquela coisa e repetimos. Fosse o que Deus quisesse. Como é bom comer quando se tem bastante fome, tudo fica mais fácil. A frescura vai a zero.

Chegamos perto de um corretor que estava encostado na beira do balcão e informamos: viemos ver o terreno do anúncio no jornal. O cara não acreditou. Deve ter pensado: ufa, até que enfim um cliente, vou salvar meu dia!

Um bom lugar para as plantas

As plantas aprisionadas no apartamento
encontraram um novo lugar para viver


Vá lá saber como tudo começou.
Isso pode ser contado de diversos tamanhos. Podemos começar, do meu lado, por Piraporinha. Lugar de fato onde nasci. A Capital só aparece na minha certidão de nascimento por não ter, à época, maternidade em São Bernardo do Campo. Em Piraporinha, à época um bairro afastado e rural de São Bernardo, morávamos numa chácara, cercados de outras chácaras por todos os lados. E ali eu construí as bases do meu gosto por lugares abertos, livres. Da parte de K, pelo que sei, a coisa veio dos tios, ainda que ela seja paulistana da gema, sempre viveu rodeada de plantas e bichos e gente que gostava disso. Assim ela conta. Escolhi esse resumo para pular para o início da busca por uma chácara para chamarmos de nossa.

Nosso apartamento vinha, ultimamente, tomando ares de floresta. Metade da sala já estava lotada de plantas, alinhadas ao lado da janela, disputando a luz do sol enquadrada pelo caixilho. Tanta era a vontade de ter plantas e mais plantas que estávamos quase abdicando de boa parte de nossos poucos metros quadrados para elas. Ali havia de tudo um pouco e em especial violetas, quase uma centena delas. Mas também tínhamos rendas portuguesa e francesa, eugênia, ficus, schefflera, palmeira carioba, palmito, árvores da felicidade, begônia, ciclamem, caladium, amarílis, bonsais de matsu e érica e tantas outras. Da sala elas já avançavam pela área de serviço, o quarto e onde houvesse um pouco de luz natural.

K. começou a falar de ter um sítio ou coisa parecida. Começamos a ir a algumas chácaras de amigos, como a de uma cantora lírica, nossa amiga; a de Z., em Itatiba, era outro lugar que íamos e que fazia nossos desejos se alvoroçarem. Também fomos costumeiramente no sítio de um produtor de bonsais - Sr. Carlos - japonês vendedor de plantas do CEASA, onde K. o conheceu. Ele morava em Suzano e depois mudou-se para a área rural de Atibaia. Íamos lá para ver sua fantástica coleção de bonsais, alguns deles vindos do Japão, de seus ancestrais. Ali compramos alguns exemplares que passaram a viver em nossa casa. Nos encantamos com o trabalho do velho oriental naquele pequeno pedaço de terra.

Mais ou menos no final de 1990, início de 1991, começamos a procurar efetivamente um terreno para comprar. Vimos algumas propriedades em Atibaia, outras em Ibiúna e até mesmo na estrada que liga Ubatuba a Parati, onde nos ofereceram um terreno dentro de uma reserva indígena e de onde de avistava, imenso, à frente, o Atlântico. Não tivemos coragem de comprar, mas que seria fantástico, isto seria.

Algo parecido aconteceu quando passeávamos pelo sul da Bahia. Foi em Cumuruxatiba, lugar maravilhoso, ao sul de Trancoso, ainda pouco conhecido e de poucos turistas. Ali nos ofereceram um imenso terreno - um alqueire baiano, 96,8 mil m² - que ficava a um quilômetro da praia, tomado por mata atlântica. Era fruto de reforma agrária e, por conta disso, sua venda era ilegal mas, diziam por lá, que todos que haviam recebido essas terras do Incra estavam vendendo a qualquer preço, pois eram pessoas pobres e não tinham recursos para tocar qualquer atividade por ali. Fomos ver a terra e ficou uma grande vontade de comprar, mas não éramos dados a cometer essas irregularidades.

Quase compramos um terreno perto de Atibaia. Era bem interessante, nele corria boa água, havia muitas árvores, tanto nativas como frutíferas plantadas. Deveria ter uns 10 mil m², se não me falha a memória. Ocorre que estava no meio de outras propriedades e não tinha um acesso por estrada ou mesmo uma servidão consolidada. Desistimos.

Em Ibiúna nos enveredamos mato a dentro em busca de um bom terreno, sempre acompanhados de um corretor afoito para nos fazer comprar. Um deles nos apresentou um pedaço de terra bastante interessante, coberto por vegetação nativa: Mata Atlântica. O vendedor dizia: vocês podem derrubar até 80% das árvores para construir a chácara. Desistimos, isso nunca, queríamos plantar não derrubar árvores.

Em outra ocasião, estivemos mais uma vez em Ibiúna. Fomos levados para o alto de um morro, uma imensa pirambeira, onde havia uma casa pré-fabricada e muito mato. Gostei, mas K. fez cara feia. Era um empreendimento abandonado. Alguém havia começado a formar o sítio e parou. Por que seria? Havia um poço bastante fundo, ainda não terminado e aparentemente sem água. Como era em cima do morro, talvez o acesso à água fosse a limitação do lugar. Uma chácara sem água é certeza de um fracasso colossal. Algum problema tinha ali e K. vetou e pronto, enfiamos a viola no saco e voltamos para São Paulo. Era mais um final de semana sem a decisão da compra de nosso sítio.

Um dia K. ligou no meu trabalho e disse: achei nosso sítio, estou com o recorte de jornal e vamos ver no final de semana.