quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O Chapéu de Vacas

Entramos por um estrada de terra que parecia antiga e que pelo jeito levava até uma fazenda local. Apesar das poças, íamos bem. Onde há poça, disse o corretor, é sinal que a terra é firme e por isso a água não se infiltra. Será? Ficamos na dúvida, em especial quanto à fundura das ditas cujas. E por conta desse pensamento, ele enfiava o carro na estrada sem qualquer receio ou cuidado.

Saímos dali e pegamos uma estradinha que acabara de ser feita e que nos pareceu já pertencer ao loteamento. Era uma areia só, aliás um areião encharcado. Seguimos por ali e um quilômetro à frente nos deparamos com um trator construindo o caminho. Começamos a achar que éramos os primeiros visitantes daquele loteamento. Pelo jeito estávamos chegando junto com a patrol que abria os acessos aos lotes. E era isso mesmo. Nenhum terreno havia sido vendido por ali. O trator nos ajudou a chegar até uma casa que estava sendo construída. Paramos ali e descemos para ver.

Era a oferta do corretor para nós. Um terreno já com uma casa construída. Visitamos a obra, andamos pelo terreno. Nesse momento a chuva havia dado uma trégua. Era uma casa simples, dois quartos, cozinha, um banheiro. Ainda não estava pintada e não havia água nas torneiras. Ao fundo estava sendo cavado um poço. Como a terra era de areia fofa e profunda, usavam anéis de concreto para cavar a cisterna. Dará água lolo logo, afirmou o corretor.

O terreno era interessante. Tinha uma boa vista para leste e ao fundo se via uma grande e imensa paisagem. Seria bonito acordar pela manhã e ver o sol nascer naquele farto horizonte visto ali de cima. Ainda assim ninguém se encantou muito com ele. Havia uma grande descida até o fundo do terreno onde, conforme o vendedor, tinha um pequeno riacho, além de boas nascentes de água. Não fomos até lá para conferir, o tempo não convidava para essa aventura. Na foto acima pode-se ver a localização deste lote, só que de baixo para cima.Estávamos onde alguns anos depois, quando foi tirada esta foto, se vê, acima, à direita, duas pontas de árvores.

De lá de cima o corretor apontou para baixo, ao leste, e disse: o loteamento vai até lá embaixo, são cerca de 200 lotes ao todo. Há esses aqui em cima e os outros estão lá embaixo, no vale. K. já disparou, sabe-se lá porque: quero conhecer lá embaixo, o que você pode nos oferecer lá?

O homem gaguejou um pouco, tentou mudar de assunto e tal, mas ela não deu qualquer chance de negação ao pobre vendedor: então vamos pra lá!

Ele concordou, mas com uma ressalva, talvez para ver se desistíamos daquela ideia. Teríamos que voltar à estrada, pegar o sentido São Paulo e andar uns 4 Km, entrar pela cidadezinha, andar por estrada de terra mais uns 4 km e, só daí, chegar à parte baixa da fazenda. Questionado sobre a causa disso, nos informou que ainda não haviam feito a estrada que ligaria aquela parte onde estávamos com a de baixo. Era mais um sinal de que o loteamento apenas começara a ser feito. Esse foi um perigo que não leváramos em conta e iríamos sofrer as consequências por conta das dificuldades para conseguir a documentação e os demais benefícios acoplados à condição legal de um loteamento rural. Mas esta é história para depois.

Concordamos com o caminho e voltamos à estrada, rodamos os quilômetros até a cidade e tentamos chegar na parte baixa do loteamento. Ufa. Pelo jeito a estrada era usada só por animais. Algumas partes do caminho se confundiam com o pasto, com marcas de passagem de cavalos e quase nenhum sinal de rodas de semoventes. A chuva voltou a atacar e naquele trajeto 4 km de terra, areia e mato, atolamos diversas vezes. Andávamos um pouco e logo lá estávamos nós empurrando o carro para avançar mais um pouco e outra vez empurrar.

Chegamos a uma velha porteira: era a entrada da fazenda Santa Leocádia. Com cerca de 100 alqueires, ela estava morrendo como tal e sendo recortada em n pedacinhos de 30 mil metros quadrados cada um. Pelo jeito havia cumprido sua vida útil como produtora rural. Agora aquela terra cansada e mal tratada serviria quase que exclusivamente para o lazer de alguns seres urbanos.

Da porteira para frente tínhamos que ir a pé, o carro ficaria ali. O arruamento ainda não tinha sido feito e o acesso aos terrenos era feito pela estradinha que levava à sede da fazenda. Pelo que tínhamos visto do caminho da vila até ali, carros eram coisas raras naquele lugar e, portanto, os caminhos não eram amigáveis a eles, apenas ao gado, aos cavalos e às carroças.

A porteira era antiga, o mesmo posso dizer dos arames farpados e mourões que fechavam a propriedade. Nada mostrava qualquer cuidado recente para dar ares de loteamento. Mas ela, a porteira, era dessas coisas inteligentes, você a abria e ela fechava sozinha, graças à sua inclinação. Isso impedia que ficasse aberta e animais entrassem ou saíssem por ali.

Começamos a caminhar para dentro da fazenda enquanto o corretor pegava a planta e tentava identificar algum terreno que pudesse nos mostrar. Não era tarefa fácil. Não conseguia nos dizer onde começavam ou terminavam. Aqui, do lado esquerdo, disse, começa o lote 19, apontando também o mapa. Fomos andando pela estradinha. um córrego serpenteava no meio do tal lote 19 e atravessava a estradinha, só que por cima dela, fazendo com que tivéssemos de enfiar os sapatos na água para poder prosseguir. Interessante, bonito mesmo aquele pequeno córrego com água farta. Claro que estava chovendo e não imaginávamos como seria aquilo na época da seca. Tentávamos adivinhar - e o vendedor também - onde eram as divisas do tal terreno. Difícil. Não se pode ter a noção de tamanho de um terreno de 30 mil m², olhando apenas, a não ser que você seja um agrimensor tarimbado.

Mas o vendedor via nossa inexperiência e aproveitava. Ele não tinha nenhum escrúpulo em confirmar o que achávamos e expressávamos. K. perguntou: aquela árvore lá em cima pertence ao terreno? Era uma árvore bem grande, no topo do morro que dava continuidade à parte plana do tal lote 19. Sob ela algumas vacas se protegiam da chuvinha insistente.
Pensei comigo: era um Chapéu de Vacas.

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